segunda-feira, 28 de julho de 2014

Saturno e seus filhos

Depois que Gaia criou Urano para acabar com o em que o universo estava inserido, tiveram eles muitos filhos. Esses filhos eram violentos e devastadores. Saturno, seu filho mais novo, aprisionou os seus irmãos no mundo subterrâneo para tentar acabar com a destruição que provocavam. Seus pais, no entanto, continuavam a ter filhos, que possuíam o mesmo gênio dos anteriores. Cansada de ter filhos, Gaia entra em um acordo com seu filho Saturno, e lhe dar uma foice para que seu filho corte os testículos de seu pai. Assim, ambos ficaram satisfeitos: Saturno não mais teria o trabalho de aprisionar seus irmãos, e Gaia não mais teria que ter filhos.

Não podendo mais gerar filhos, Urano passa a ser um adversário a altura de seu próprio filho, que funda seu novo reino. Casa-se Saturno com Réia. Porém, um Oráculo havia dito a Saturno que um de seus filhos iria o matar. Com o temor que se concretizasse a profecia, Saturno passa a devorar todos os filhos que tinha. No entanto, Júpiter, seu filho, consegue se salvar e aprisionar o pai iniciando, assim, mais um novo reinado.

Três gerações de reinados que deram origem, segundo a mitologia grega, assimilada pelos romanos, ao nosso universo. Simbolizam também a evolução de nossa sociedade. Ilustram tanto uma evolução tanto genética de nossa espécie humana, quanto uma evolução social.

Essa evolução social pode ser descrita como partindo de Urano, que, despreocupado com as atitudes de seus filhos, deixava-os fazer o que bem quisessem. Tinham todos, porém, uma atitude destruidora, o que faz Saturno aprisioná-los e, assim, acaba com a destruição que seus irmãos provocavam. Pacificada essa primeira geração, o medo de ser destronado faz Saturno acabar com sua própria prole, devorando seus filhos para que não fosse tirado do poder. Consegue, porém, um de seus filhos, trancar em uma prisão seu pai. Essa prisão, no entanto, dura só o tempo necessário para que Júpiter pudesse dividir o reinado com seus outros irmãos, pacificando, assim, definitivamente nosso Universo. Está ele pronto para ser habitado por nós.

Os romanos festejavam em dezembro em honra a Júpiter. Nos festejos, os servos davam ordens aos senhores, invertendo, assim, a ordem social, prenunciando, talvez, o passo posterior desta evolução.

Assistimos hoje, no entanto, uma mesma relação entre pais e filhos quando o assunto é poder. Uma troca de tronos que não visa à organização, apesar de haver interesse de se apropriar do que é público; não há desejo de pacificação, apesar de demonstrar descaso, em ações e omissões, com o que arbitrariamente se faz; não há desejo de universalizar e publicizar, apesar de haver o medo constate de ser solapado seu poder por quem quer que seja; nunca houve empenho para dividir o que é público, apenas os cálculos nefastos para se lotear o universal sem qualquer outro interesse que não o de sugar tudo o que há para tanto.

Os filhos dos deuses foram por muito tempo seus problemas e seus maiores temores. Hodiernamente, no entanto, é a prole o remédio mais utilizado para se perpetuar. Uma involução genética, pois a evolução é a adaptação ao novo, não a perpetuação do velho; é a evolução a progressiva pacificação, não a eterna beligerância.

Os passos posteriores que, talvez, previam os romanos em suas festas não se concretizem. Não teremos, nós, motivos para festejar. Nosso caminho talvez seja de volta ao caos.

Continuam devorando seus próprios filhos.

Saturno devorando um filho - Francisco de Goya