quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Gato Barbieri

Gato Barbieri condensa em sua obra os ritmos da América Latina e, com isso, as agruras e alegrias do continente, passeando da sensualidade do tango, à dramaticidade da rumba, à alegria do samba, tudo isso adensado com a subversão elegante do jazz.
Uma das mais conhecidas obras de Barbieri é a trilha sonora do grande filme O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, casando perfeitamente com o clima sensual e dramático, a música de Gato Barbieri deve ser ouvida sem 'beurre'.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Uma parada na saudade.


As obrigações laborais me levaram hoje a uma das cidades da Paraíba ainda para mim desconhecidas: Aroeiras, no Agreste do estado.
Mesmo nos aventurando em terras nunca dantes, por nós, navegadas, tivemos o que pareceu ser uma ótima ideia de cortar caminho por um atalho. Resultado: por mais que tenhamos economizado alguns bons quilômetros, as naturais condições de uma estrada de barro nos tomou um tempo para além das nossas expectativas. Porém, o que poderia ter sido motivo de arrependimento, acentuado ainda pelo sol inclemente e indiferente a qualquer ar-condicionado, foi, na verdade, um exercício de saudade, pois fez surgir aos meus olhos uma paisagem quase idêntica à qual, na não tão distante meninice, descortinava-me as entranhas telúricas de Barra de Santa Rosa, nas minhas andanças pelo Algodão de Jandaíra.
Tal qual as várias lavadeiras que planavam sob o céu, minhas lembranças voavam livres e festivas ante à aridez perenizada, em mim e na terra, cada um devido ao seu tempo. Se há algo que pouco se diferencia nos rincões nordestinos, é a disposição, arquitetônica e moral, do sertão, esse descampado da modernidade que pulsa vida em todas as suas veias.
Na terra, o mormaço convivia com os primeiros sinais de chão rachando há poucos metros de um açude, o oásis do sertanejo, supridor de tão primitiva necessidade, inevitavelmente trazendo à memória a imagem da sempre presente expressão de iminente sorriso, ou gargalhada, que leva à face da pele castigada pelo sol o relevo de tantas marcas de uma vida de luta. Água e sorriso, brisas inescapáveis desses tão humanos titãs, que não saberia ao certo dizer se eles suportam o sertão, ou o sertão é quem suporta suas imponências.
Ainda no chão, a rudeza das cactáceas pincelavam tão delicada composição. Levavam, essas plantas, o para nós inconcebível passar e suportar do tempo. Não poderia o reino vegetal ser mais perspicaz: tal qual o homem, com o qual coabita, também ignoram as intempéries, naturais ou humanas, que fustigam apenados inocentes, colossos que confrontam e perseveram frente a todas as dificuldades.
Nos alpendres, a comprovação de uma cronologia diferente: semblantes cansados repousam, crianças parecem flutuar sobre as ruas, despreocupadas com qualquer escândalo de crueldade, confiantes no elo que a todos une - a lealdade - e a que todos recebe - a caridade.
Deselegantemente, prestei atenção a uma conversa em andamento entre uns residentes, quando um disse: - Ele morreu porque depois que bateu a moto foram socorrer ele, todo mundo sabe que não pode mexer em quem sofre acidente, tem que esperar a ambulância, mas ninguém aguentou ver ele sofrendo, aí mexeram, e ele morreu.
Oh, infindo coração dos homens e mulheres do sol, que sofrem a dor mais exígua e distante dos seus como se sua fosse! Que se despojam de quaisquer vaidades ou empecilhos para ajudar conhecidos ou desconhecidos! Quiçá o mundo, um dia, deixe de ser esse deserto egocêntrico e vire sertão, esse oceano de humanidade!
Quando organizei no meu bolso inúteis indumentárias que nosso mundo nos obriga a carregar, celular, chaves, papéis, vi-me no Algodão do Jandaíra correndo descalço, sujo de barro, sorridente entre outras crianças, cachorros, galinhas, vacas, despojado de tudo que não de alegria. Vi-me feliz, por que não?
Apontando de volta ao litoral, escapou-me novamente minha saudade - criatura que não nos habita, antes nos parasita - e volta ela ao seu lugar de sempre, à poeira, ao sol e à companhia dos fortes que a tudo suportam.
Antes de partir novamente, materializa-se como que para se despedir, e em forma de preá atravessa nosso caminho, adentrando no habitat exclusivo dos que trazem em seu coração a chave para decifrar a simples complexidade do homem e da mulher da terra. Adeus, minha saudade, até a próxima volta.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Desigualmente igual?

Desde que altos funcionários do FMI disseram que o modelo neoliberal estimulado durante tantas décadas pelo Fundo pode ter aumentado a desigualdade mundial que setores da esquerda se regozijam de terem denunciado o modelo tão sôfrego imposto aos países que tiveram que se socorrer ao organismo, se submetendo aos ditames de austeridade que refreava, ou impedia, o desenvolvimento social e uma maior distribuição de renda.
A dolarização da economia mundial somada ao império financeiro e monetário que fora imposto ao mundo em Bretton Woods tem sido, se transvestindo de salvaguarda da economia do mundo pós-45, o grande vetor da consolidação da hegemonia monolítica dos EUA, que controla tanto o FMI quanto o Banco Mundial.
Os BRICS vêm buscando implantar uma alternativa a esse pelos países em desenvolvimento, notadamente com a criação o Banco Brics. Os países membros desse bloco podem ser considerados países em desenvolvimento e, estando virtualmente inseridos na zona das agruras econômicas e sociais inerentes ao seu estado, teriam maior sensibilidade quanto à forma das concessões financeiras e ajudas, que seriam mais democráticas e socialmente responsáveis.
A presença, no entanto, de duas potências nucleares com ares - para se dizer o mínimo - totalitaristas, ao mesmo tempo que individualmente vêm buscando expandir seus interesses bélicos, geográficos, econômicos e monetários - vide os vultuosos investimentos feitos pela China na África com vistas a privilégios comerciais, e seus planos de aumento de investimentos na América Latina - leva ao questionamento de se, futuramente, implantado e bem sucedido os planos do bloco, não haveria uma situação não muito diferente da que hoje temos dada.
Um maior equilíbrio com certeza iria existir, resta a expectativa de que uma oportunidade ímpar dessas seja bem aproveitada para, sim, dessa vez, diminuir a desigualdade no mundo.

Nocaute


Não poderia deixar de indicar o blog do grande escritor Fernando Morais - Olga; Chatô, o Rei do Brasil - , o Nocaute, ácido e parcial como tem que ser.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Autógrafo especial

Ontem tive a honra de ganhar o autógrafo do grande jornalista e escritor Tião Lucena, grande baraúna das letras paraibanas e digno representante da cidade de Princesa Isabel. Seu livro, A Guerra de Princesa (Editora Bagaço), trata de um dos mais interessante episódios políticos que marcaram a as vésperas da República Velha, que foi a revolta do município paraibano liderada pelo coronel José Pereira frente ao governo de João Pessoa, que resultou na proclamação da República de Princesa, com hino, bandeira, governo próprios e uma Constituição em elaboração.
O livro está infelizmente esgotado, mas caso alguém o encontre em algum sebo, vale muito a pena a leitura.
Tive até a honra de aparecer no Blog do Tião, referência no Brasil sobre política local, com os comentários sempre certeiros do nobre princesense.
Tripla honra para mim: a maravilho recepção, o autógrafo e a a lembrança no blog por Tião. A ele, meus mais sinceros agradecimentos.

Mopho

No ano de 2001, mais ou menos, fui apresentado a uma banda psicodélica brasileira de Alagoas: Mopho. Meu amigo Salomão me emprestou o primeiro CD da banda, e ainda me passou alguns links com matérias e entrevistas. Com nítida influência de Mutantes e (claro) Beatles, mas também com uma personalidade bastante forte para se firma como uma banda longe de uma mesmice que poderia aparentar, e eu, fiquei louco pela banda. Lembro que, na época, fiz até amizade com um primo de um dos integrantes, e vivíamos conversando pelo finado ICQ, o que me deixou sempre atualizado sobre o que acontecia com os caras e tal. Fui até um dos primeiros a saber que a banda tinha acabado.
O nome Mopho vem de um comentário que um sujeito fez sobre o som da banda, dizendo que iria mofar porque estava ultrapassado, aí juntou com o lance do psicodelismo e ainda mais com o nome de uma música do U2, que é mopho também.
Para quem quiser escutar, eis o MySpace e o Facebook. E abaixo segue um texto com um pouco da história da banda.
--
O Mopho teve a sua estréia no mercado fonográfico em 2000 com o disco homônimo “Mopho” lançado pelo selo paulistano Baratos Afins. O disco de estréia levou a banda, naquela época a ilustrar as páginas dos principais jornais e publicações do Brasil, alguns veículos da imprensa chegaram a apontar o quarteto como a principal banda psicodélica do país fazendo com que o quarteto participasse dos principais festivais de música como, por exemplo: Abril pro Rock (Recife e São Paulo), Porão do Rock (Brasília), Balaio Brasil (São Paulo), Festival de Inverno De Garanhuns (Pernambuco), contabilizando ainda shows por Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis entre outras grandes cidades. O som do grupo cruzou as fronteiras do país e figurou como destaque na rádio KARXL de Berkley (Califórnia, USA) durante muito tempo. Em 2003 quando estavam prestes a lançar o segundo disco e após terem tocado por todo o Brasil, a banda se dissolveu. Em 2004 o Mopho lança “Sine Diabolo Nullus Deus” (Baratos Afins) com apenas dois integrantes da formação original – João Paulo (guitarra e vocais) e Leonardo Pereira (teclados). No mesmo ano os dissidentes do grupo – Júnior Bocão (contrabaixo e vocal) e Hélio Pisca (bateria) lançam “A Terra é nossa Casa Flutuante” (Independente) com um novo projeto, batizado de Casa Flutuante, e seguem para fixar residência em São Paulo. Em junho de 2008, após cinco anos separados, o grupo se reencontra para um show na capital paulista e ali começam a escrever um novo capítulo para essa história. João Paulo, acompanhado de Dinho Zampier (teclado) propõe a Júnior Bocão e Hélio Pisca a produção de um novo disco. Ainda em 2008 a banda participa do festival Quebra-Mar (Macapá) e voltam a se encontrar em Alagoas em junho de 2009 ano, onde em cinco dias selecionam repertório, arranjam e iniciam as gravações do esperado terceiro álbum, ainda sem título e com previsão de lançamento para este ano. O Mopho já tem 13 anos de trajetória e uma história que se divide entre altos e baixos, brigas, reencontros, uma legião de fãs espalhados por todo o país e o reconhecimento por grande parte da crítica musical atuante no Brasil. Agora mais maduros, o quarteto promete recolocar a banda em uma posição de destaque, fazendo o que mais sabem, música de qualidade e um alto teor de sofisticação em seus arranjos e canções. Arnaldo Baptista em uma entrevista ao Estado de São Paulo certa vez proferizou,... O contrário de Mopho não é “fômo”, o contrário de Mopho é “Vortemo”! Um belo trocadilho que agora faz todo o sentido, pois o famoso e lendário Mopho está de volta e a todo vapor!

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Sobre a reforma da educação

"A man in a room", atribuído a Rembrandt ou a um seu discípulo
Nunca dei relevância às teorias conspiratórias que afirmam que os políticos não investem na educação por que querem uma população ignorante para, assim, ser manipulada mais facilmente. E não acredito nisso porque acho que nossos políticos não teriam a sutil inteligência para delinear um raciocínio tão malignamente sofisticado.
Não se dá a devida importância à educação no Brasil pelos mesmos motivos que não se dá à saúde, segurança, urbanização, transporte etc: por completa incompetência e desinteresse, e não após uma decisão a portas fechadas em que os líderes se negam propositalmente a investirem nessa tão sensível área que poderá, futuramente, lhes causar algum prejuízo. Se alguém na terra de Vera Cruz é imediatista é a classe política.
No mais, não acho que restam dúvidas sobre a necessidade urgente de se reformar a nossa educação e, finalmente, superarmos esse modelo escolástico, medieval e limitador que temos hoje. Reforma estrutural e tão urgente que já fora tentada por tão longínquos vultos como Ruy Barbosa.
Crianças e jovens estão cada vez mais ávidos por conhecimento e para demonstrarem suas habilidades e criatividades, mas um sistema em que os assuntos são passado quase que roboticamente, desconexos da realidade, que tem como única utilidade a aprovação em uma prova de vestibular fatalmente irá afastar cada vez mais os alunos das escolas e, talvez, até extinguir a possibilidade de grandes profissionais, empreendedores, cultos e inovadores saírem dos bancos dos liceus.
Concordo que deva haver um direcionamento dado pelo próprio aluno em seus estudos, mas sem fechar a possibilidade de, em um breve futuro, ele mudar de ideia, além de tornar assuntos tão importantes como história, sociologia, filosofia - que em alguns países esses estudos são realmente sérios e densos - serem obrigatórios, mudando, claro, a forma de transmitir e avaliá-los.
Para essa mudança, no entanto, deve-se mudar (quase) tudo: salários dos professores, número de alunos por sala, aplicação prática do conhecimento, modos de incentivo, ensino integral com inclusão de artes e esportes e, para completar a quimera, avaliação individual e progressiva. E para tanto, é imperioso o diálogo com profissionais da classe e com os estudantes, que são os diretamente interessados e afetados, e não de cima para baixo por burocratas partidários em busca de apoio para as próximas eleições.
Outra grande conquista que foi posta em xeque foi a não obrigatoriedade de formação na área em que se irá lecionar, aliás, a nem mesmo obrigatoriedade de curso superior, um retrocesso tamanho que desprestigia os licenciados além de deixar uma grande brecha para que ingerências antirrepublicanas e anti-educacionais virem a regra.
Da forma que foi - ou que se está querendo fazer - uma reforma tão importante e já tardia que tem impacto decisivo no futuro do nosso país, mais dúvidas que certezas são levantadas sobre seu propósito, e, para mim em particular, uma dúvida extra foi plantada: será que, de fato, há um grande gênio do mal com tanto calculismo por trás dessa ideia?

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A revolução guatemalteca, Greg Grandin. Revoluções do Século 20

A Editora Unesp lançou já há alguns anos a coleção Revoluções do Século 20, dirigida por Emília Viotti da Costa, com pequenos livros escritos por especialistas nos respectivos conflitos que marcaram o último século.
Já havia lido o que trata da revolução chinesa, e confesso que adquiri esse sobre a revolução guatemalteca para suprir minha ignorância no tema. É extremamente interessante, e desalentador, perceber as semelhanças das sociedades latino-americanas em meados do século passado: enorme concentração de renda, elite política e econômica dominando e massacrando a grande massa pobre e ignorante, movimentos sociais e políticos sendo perseguidos e execrados, influências estrangeira nos assuntos internos etc.
As agruras guatemaltecas iniciaram em 1944, quando a ditadura de Jorge Ubico, que governava o país há treze anos, foi derrubada e um socialismo de espectro de menos a mais radical passou a governar o país por dez anos, com os governos Arévalo e Arbenz.
Com a desculpa de refrear uma suposta contaminação comunista/soviética no continente, pois não houve provas até hoje de qualquer ligação mais forte entre os novos governos democráticos da Guatemala e a União Soviética, sobrepôs-se, na verdade, os interesses de corporações norte americanas e grandes proprietários rurais locais que passaram acumular prejuízos com a reforma agrária executada no país. Contra isso, investidas de militares locais apoiados pelo governo dos EUA, desde o treinamento militar e de inteligência e fornecimento de materiais bélicos, até o que o autor denominou de guerra psicológica, com a propagação de livros, gibis, filmes etc. criando uma caricatura demonizada dos comunistas.
Dez anos após a derrubada da ditadura e da implantação da democracia, as forças acima referidas conseguiram depor o governo democrático e, junto com a volta da ditadura, uma guerra civil durou décadas, tendo terminado apenas em 1996, com a dizimação quase que completamente indiscriminada da população indígena.
Outro fato interessante também sobre esse deplorável episódio na Guatemala foi a criação e o aperfeiçoamento, no bojo da CIA, de um grande programa de inteligência, denominado de Operação Limpeza, que se estendeu a muitos países da América Latina, inclusive o Brasil, e que ensejou a estapafúrdia Operação Condor, que teve o desenrolar que já conhecemos.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Colômbia, FARC e um processo de paz

Ontem, dia 26 de setembro de 2016, foi assinado na Colômbia o acordo de paz entre o Governo e as FARC.
Pelo acordo, haverá o término de um conflito que conta com 52 anos, anistiando os guerrilheiros, e passando as FARC a ser um partido político contando com cinco vagas garantidas no Congresso colombiano nas próximas eleições independente da sua votação, além da implantação de políticas de inclusão aos ex-guerrilheiros, garantindo cursos profissionalizantes e inclusive bolsas de auxílio.
O acordo, que fora negociado por anos em Cuba entre governo e guerrilha, deverá ser submetido ainda a plebiscito pelo povo colombiano, que está, como não poderia deixar de ser, dividido entre aprová-lo ou não.
De um lado, os que são contrários ao acordo alegam que o governo fez muitas concessões a um grupo guerrilheiro que cometeu inúmeros crimes deliberados na Colômbia, tais como extorsões, sequestros, assassinatos etc., e que anistiar os guerrilheiros seria, além de uma vergonha para o país, uma vitória para as FARC, e muitos dos que foram vítimas da guerrilha alegam que se sentirão humilhados e inseguros sabendo que seus algozes estão livres e anistiados.
De outro lado, os favoráveis vêem o acordo como única possibilidade acabar com a guerrilha e findar a luta armada que dura décadas, pois a continuação do conflito dificilmente levaria a vitória definitiva do governo, tendo em vista, entre outras, as estratégias das FARC em se infiltrar nas comunidades rurais, usando-as como escudo ou mesmo conquistando-as por proteção, dispersa-se em zonas de difícil acesso, além de manter inúmeros sequestrados sob suas armas, o que impediria um ação mais violenta e definitiva pelo governo.

Na foto, um caneta feita no corpo de uma bala, gravada com a seguinte frase: "As balas escreveram nosso passado. A educação, nosso futuro".

Xadrez verbal: política internacional

Indico aos que se interessam por política internacional o site Xadrez Verbal, que conta com, além do site, podcast, canal no YouTube, Twitter e Facebook (links abaixo), com comentários e notícias sobre o que acontece nas relações mundo a fora.
O autor do projeto é o professor Filipe Figueiredo, que faz também os vídeos de história do canal Nerdologia. No podcast, ele divide os programas com o Matias, e, recentemente, também passou a fazer parte a professora Vivian Almeida, comentado sobre economia, e também há de tempos em tempos convidados e entrevistas.

Links: Xadrez Verbal; Podcast; YouTube; Facebook; Twitter.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crônica de uma morte assistida

Antes, a gravidez sempre foi interrompida, algumas vezes involuntariamente, em outras por simples escolha. As intempéries casuais a tudo isso deram causa. No entanto, após longos anos, o que antes não se mostrava possível, encontra a culminação precisa para sua concepção.
Todos ficaram em polvorosa. Todos os gestos possuíam uma agitação serena. Os semblantes eram de feliz ansiedade.
O pré-natal fora religiosamente feito, a todos divulgados os resultados parciais dos exames indispensáveis. Todos comemoravam a cada notícia positiva, parecendo que cada um era o responsável pelos êxitos daquela gestação. Até que veio um dos mais esperados dias, e a felicidade repousou enfim em todos que ouviam aquela notícia, pois, dali em diante, sabiam, nada mais poderia dar errado: era uma menina, e estava perfeita.
Seu nascimento trouxe o ímpeto e a necessidade de se travar a luta para seu crescimento, como o faz todos os filhos, que são os responsáveis por fazerem os, ontem filhos, serem hoje os pais. E a tenacidade dessa nova batalha fez surgir, como sempre o faz, os aparentemente paradoxais sentimentos de força e vulnerabilidade, esperança e desespero, ternura e rigidez.
Não cresceu livre das quedas, dos choros, dos gritos, dos castigos, mas também não deixou de passar por alegrias, êxitos, sorrisos e serenidades. Disso aprendeu que a única maneira de equilibrar de maneira suportável a dor e o prazer, o beijo e a separação, o fracasso e o sucesso, é não desistindo jamais, indo em frente apesar do que se aparente bom ou mau. E assim viveu, como vivem todos.
Porém, ao ensaiar uma vida independente, ao obter os resultados das conquistas, ao equacioná-los com as frustrações e, assim, iniciar sua maturidade, eis que acontece o que nunca se esperaria que acontecesse.
Em um domingo, aos 27 anos de idade, batem à sua porta e dizem que deve segui-los, sem tempo para pegar seus pertences ou se despedir de alguém. Prenderam-na em sua casa. Não entendendo o que se passava, perguntou por que estava sendo presa, no que responderam: - Não é da nossa incumbência darmos-lhe explicações.
Colocaram-na em um carro, e em sua cabeça puseram um capuz preto, com cheiro de couro, e a conduziram ao que inicialmente parecia um hospital.
Acordou depois de algumas horas, percebendo que fora sedada sem perceber, quando observou que na grande parede de vidro em sua frente, aglomerava-se uma multidão de pessoas, com câmeras, luzes, blocos. Ao olhar a televisão que suspensa em seu quarto, viu que o noticiário de maior audiência transmitia ao vivo sua agonia. Ela estava deitada, toda de branco, amarrados os braços e pernas, fraca o suficiente para não poder gritar, falar ou suspirar.
Surgiu o que pareceu ser uma equipe médica, com máscaras e toucas que só deixavam os olhos à mostra. Seu desespero exponenciava ao não entender o que se passava e ao mesmo tempo não ter qualquer condições de reagir, de gritar, de perguntar.
Durante dias os sujeitos que pareciam com médicos a visitavam para administrar doses de morfina suficiente para mantê-la consciente e ao mesmo tempo fraca para qualquer reação. As doses, no entanto, foram aumentando dia após dia, debilitando cada vez mais e irreversivelmente seu corpo e seus pensamento. Seus olhos vagavam no quarto, sem já se importar com as pessoas que a olhavam, nem com a transmissão ao vivo a todo o país de seus dias. Perguntava-se no seu silêncio onde estariam seus pais, o porquê duas suas ausências, se era intencional, se não os deixavam vê-la. Por não saber, sentia apenas um medo, cada vez mais crescente, cada vez mais fulminante. Até que um dia, menos de um mês após sua prisão, viu na parede de vidro os seus pais, ambos com semblantes serenos e sem qualquer sinal de medo, raiva ou desespero.
Durou poucas horas, porém, essa visita distante. Viu seus pais assinarem uns papéis e cumprimentarem cordialmente os sujeitos que pareciam médicos que a acompanhavam seu entorpecimento fatal. Depois disso, morrera, não na execução de uma pena, pois não havia crime, sem diagnóstico, pois não havia doença, sem a chande de sequer disso saber. Fora sepultada com a presença de alguns poucos amigos e namorados da adolescência, e enterrada na mesma cova rasa em que seus irmão não nascidos jaziam.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

"Ele está de volta", filme.

Assisti ao filme "Ele está de volta", do diretor alemão David Wnendt, baseado no livro de mesmo nome de Timur Vermes.
Nele, Adolf Hitler acorda inexplicavelmente em Berlim dos dias atuais. Perambulando pela cidade, encontra um jornaleiro e um jornalista recém demitido que, sem saber que se tratava do verdadeiro Führer, o convence a fazer uma viagem pela Alemanha a fim de filmar a reação das pessoas à sua figura bastante verossímil.
O filme mescla ficção e realidade, ao registrar muitas reações verdadeiras de pessoas que não sabiam que se tratava gravação de um filme, bem ao estilo Borat. E nisso, é bastante curioso ver que, mesmo nas terras germânicas, muitos tratam o que seria um transformista de um dos maiores genocidas das história, sem qualquer espanto ou ojeriza, com algumas poucas ressalvas, o que faz ressoar o monólogo final do filme sobre essa situação.
Hilários os momento em que ele conhece as novas tecnologias, com destaque para a cena em que ele descobre a Wikipedia.
Após a viagem, Hitler é convidado para apresentar um programa televisivo sensacionalista de humor, em que aproveita para disseminar suas idéias, agora já atualizadas e adaptadas ao novo mundo em que se viu. Levando a sério seu novo intento de salvar a Alemanha hodierna, e sem se importar de participar de um programa humorístico porque, segundo o próprio, "não interessa como, o que importa é ser ouvido", não poupa comentários racistas, antissemitas, homofóbicos e discriminatórios de toda natureza em rede nacional. Não demora a se tornar uma celebridade nacional, escrevendo um livro que depois é adaptado ao cinema.
O filme é bem dirigido, com uma boa velocidade e um ótimo tempo das piadas, sabendo captar bem e ironizar as reações dos que não sabiam que se tratavam de um filme.
Sem spoilers, o ponto alto do filme ocorre quando uma determinada atitude de Hitler choca mais a sociedade que todo seu falatório fascista.
Após as risadas, o que preocupantemente ecoa durante dias é o que foi falado pelo próprio Hitler no filme, fazendo recordar nossos dias: "não importa se riem, há setenta anos todos riam no início".


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Bela, recatada e do lar

A revista Veja faz matéria com Marcela Temer, classificando-a como "bela, recatada e 'do lar'".

Belas, todas são. Recatada e do lar, se assim desejarem, que o sejam, pois tantas bravas anônimas se igualam aos heroicos exemplos das mártires em seus sacrifícios diários. 
O que não podemos admitir é a tentativa tacanha de padronizar o papel e a estética feminina, como assim tentou a esdrúxula revista, esquecendo e menosprezando todas as mulheres que vão às lutas, claramente tentando sobrepor a "quase primeira-dama" à Presidenta, e também já guerrilheira, Dilma.
Que se calem os discursos que tentam encontrar para as mulhereres, impositivo e opressivamente, o seu lugar.
Lugar de mulher é onde ela quiser.

domingo, 17 de abril de 2016

O agonizar do Brasil

No dramático combate de Curupaiti na Guerra do Paraguai, caído ao chão e ensanguentado, um combatente aliado foi acudido e perguntado sobre seu estado, quando respondeu: “não é nada, apenas um braço a menos; a pátria merece mais”.

Não pode haver irresignação maior que a do idealista que, em nome de uma convicção, renega os anos de sua juventude, sua liberdade e por vezes sua própria vida. Cada vez mais raro, é verdade, mas ainda assim ele é o responsável por não deixar fenecer a moribunda flâmula da liberdade, que é, sim, o único bem pelo qual se vale a pena morrer.

Sobre ele, Agassiz Almeida, abalizado pelas marcas em si deixadas pelas garras da ditadura, já vociferou: “Quem é o idealista? O irrequieto nunca vencido a dormitar na utopia de todos os revolucionários, que sofre, luta, ri, chora e quer construir novos mundos”.

Esperamos, porém, que exemplos drásticos de heroísmos não sejam necessários hodiernamente, pois todo o sangue e lágrimas vertidos pelos séculos já deveriam ter lavado as máculas do voluntarismo despótico e da autofagia social. Ressente-nos, porém, quando os olhos ensandecidos do autoritarismo nos encaram com seu terror.

Esses olhos dirigiram hoje um processo que estrangulou, à vista do mundo, o pendão púbere da democracia brasileira, e em meio a um espetáculo pueril e ameaçador, viu-se a ribalta de sorrisos, gargalhadas, performances e o despudor da troca de personas, por vezes constrangidas, por vezes ameaçadoras, descortinar a perfídia dos que se interessam em representar apenas a si mesmos: cenas irracionais de um teatro de guerra que, sim, mutilou um dos membros do corpo ainda em desenvolvimento da nossa democracia.

Cambaleante e agonizante, o Brasil sofre novamente o martírio da interrupção de seu desenvolvimento em nome dos interesses tacanhos de tenebrosas transações firmadas pelos carrascos do progresso. E é assim que observo o gigante já exausto, desanimado, esmorecido de tantas extirpações, de tantas interrupções, que o impõem sempre que ensaia se reerguer nos seus poucos séculos de vida sobre o alicerce da democracia.

O alemão Carl Schmitt já asseverou que o soberano é quem decide sobre o estado de exceção, e o antagonismo político, que fundamenta tal pensamento, ficou bastante claro quando observamos o Estado Material de Direito ser solapado por uns poucos que suspenderam toda e qualquer norma para infligir seus preocupes em detrimento do povo.

A pulsação democrática, de tão intermitente, já quase não se ouve, e com o sangue ainda fresco dos mortos no golpe da ditadura de 1964, querem ferir de morte ainda tantos outros. Em seu leito, os carniceiros aguardam seu perecimento.



A sombra da figura funesta já se avoluma sobre o solo pátrio. Mas esquecem, no entanto, que a morte é grande amiga dos que não a temem, e será essa a única possibilidade de desfibrilar o país, com a irresignação dos idealistas que com ela se unirão, se preciso for.