sexta-feira, 7 de junho de 2019

Lei e moral

No início do ano, com todos os decibéis possíveis e custeado com recursos públicos, os seguintes versos de Wesley Safadão foram cantados na maior festa da cidade:
"Sabe por que eu não te largo? / Cê faz gostoso e ainda põe leite condensado / Sabe por que você não me deixa? / É que eu misturo romance com safadeza".
Fugindo da tediosa hipocrisia de tentar impor uma moralidade ou gosto estético, e também escapando da importante discussão sobre o papel do incentivo cultural público, o fato é que, sim, pode-se gostar do estilo musical que se quiser, e não cabe ao poder público interferir na liberdade de expressão, estética e cultural dos cidadãos.
Pois é exatamente a liberdade de expressão que a Prefeitura Municipal de Guarabira elegeu como inimigo nos último dias, ao publicar lei que proíbe a realização de atos culturais que "desrespeitem símbolos religiosos ou promovam a pornografia" em espaços públicos. Mais vago que isso, impossível.
Além da clara inconstitucionalidade, essa lei parece ter alvo certo: a demagogia rasteira e inculta que parece ter se instalado no país.
Repita-se: gosto não se impõe, mas também não se proíbe. As aversões, predileções ou desconhecimento sobre determinada forma de expressão cultural devem ter a garantia de sua manifestação. O contrário é autoritarismo, falta de cultura ou moralização do discurso político.
De um lado, pela lei publicada, deve-se retirar imediatamente das bibliotecas públicas do município clássicos da literatura, como Satiricon e 120 de Sodoma, ou mesmo o brasileiro Casa dos Budas Ditosos, por tratarem de temas sexuais. De outro lado, deve-se proibir os mais importantes filmes do século passado, tal como O Sétimo Selo, de Ingmar Bergam ou Deus e o Diabo na Terra do Sol, do brasileiro Glauber Rocha, por discutirem questões ligadas a religiosidade. A tela A Origem do Mundo, de Coubert, nunca poderá adentrar os museus municipais.
A moralização que se quer praticar dificilmente vai tomar providências contra discursos contra o candomblé, umbanda ou outras religiões de matriz africana, além de não se ater ao desrespeito que podem sofrer os ateus ou que não tenham fé religiosa.
Ao poder público deve recair a obrigação de propiciar que todas as formas de pensamento se manifestem, respeitando a Constituição e as liberdades individuais. O que sobrar a isso é autoritarismo.