quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Um texto desnecessário

A política é, sim, inegavelmente, um ambiente propício para a exteriorização e amplificação dos vícios humanos. Por séculos, foi na concentração despótica e na divinização pessoal que fazia a soberania ser confundida com um único sujeito. Esse soberano não era responsável pelos seus atos, de modo que sua vontade tinha em seu irrestrito alcance a vingança como meio de seu exercício, sem qualquer espaço para qualquer questionamento.
Mas a inquietude da razão humana ousou questionar. E daí o Estado passou a ser tido não como um fim, mas como o meio onde as pessoas poderiam exerceu suas liberdades sem que qualquer um a ameaçasse, tendo como limite a própria liberdade alheia. Daí, também, frente às inúmeras debilidades na vida dos que durantes esses séculos obscuros foram relegados à penúria de uma vida sem o mínimo de qualidade, que também se impôs ao Estado o dever de prover os bens básicos para todos, de modo que, dessa forma, todos os homens e mulheres vivessem em solidariedade. 
Liberdade, Igualdade, Fraternidade, três gerações na evolução dos direitos fundamentais, um mundo com menos diferenças e sofrimento.
A política passou a ser também o ambiente em que a virtude humana poderia ser exercida.
Quem nega essa possibilidade, nega esses séculos de evolução, nega também essa própria possibilidade de que todos sejam, como o são materialmente, iguais.
Negar o Estado Democrático de Direito é negar a beleza ímpar e o triunfo da razão frente à ignorância e à violência.
Não deixemos que a indignação nos torne piores, pois sempre há uma saída para a frente.
Neguemos sempre a violência como meio, abdiquemos sempre do canto das sereias de respostas fáceis para problemas difíceis pois, se assim não o fizemos, seremos nós os condenados a penar no porão da história e no calabouço da nossa consciência.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Um relato

A cabeça pendia para trás, sem força. Apenas as pálpebras indicavam que ainda estava vivo, tremendo involuntariamente e mantendo-se forçosamente abertas, recobrindo uns olhos fixos em lugar algum. A boca se mantinha aberta, em parte para entrar mais ar nos pulmões, em parte por ter ficado muito tempo gritando frente à dor que por horas suportara. Quem visse o corpo nu ensaguentado no chão, notava que as canelas entreabertas pareciam ser a parte do corpo mais frágil do homem completamente anestesiado do sofrimento.
A uretra fora queimada por um ferro quente introduzido no seu pênis, vedando-a de forma irreversível. Do seu ânus escorria uma fina linha de sangue que, junto com fezes, criara uma pequena poça negra ao seu lado. O odor não incomodava nem a ele nem aos outros dois homens que, sentados, fumavam cada um um cigarro, exaustos, suados, depois de terem concluído um ritual que, de tantas vezes repetido, executavam de forma burocrática.
Em uma cadeira vazia estavam suas roupas e uma toca preta feita de um tecido grosso.
Sequer sentira a frieza do estetoscópio sendo pressionado em diferentes locais do seu peito. Também não resistiu quando seu braço fora levantado para auferir sua pressão. A sessão fora bem executada, não iria morrer naquele dia. O padre fora dispensado àquela noite. Desligaram o aparelho de som que tocava a ópera O Anel de Nibelungo.

Sobre homossexualidade



Tenho um filho com pouco mais de um ano. Não tenho como saber nem como influenciar sua futura sexualidade. Não depende de mim nem de nada que esteja ao meu alcance.

O que eu sei, o que eu tenho certeza, é que se ele for homossexual, bissexual, transexual ou qualquer outra orientação que não hetero, ele irá sofrer muito. Irá sofrer na escola, na universidade, no trabalho, na rua e talvez com parte da família. Sei também que terá muita dificuldade em ter amigos, em conseguir emprego, em ser aceito em grupos.

Ao mesmo tempo, no entanto, tenho outra grande certeza: ele nunca irá sofrer em casa devido à sua sexualidade. Ele iria chorar muito, mas seria eu quem iria enxugar suas lágrimas; ele iria ficar muito triste muitas vezes, mas comigo ele teria o apoio e o amor incondicionais que um pai, no meu entender, deve dar a seu filho.

Isso nunca será uma questão relevante para mim, e o farei entender que isso não é uma questão relevante em qualquer pessoa.

Da mesma forma irei educá-lo para respeitar as diferenças. Quero que ele compreenda que não há hierarquia material entre pessoas. Na literatura e no exemplo ele terá acesso à compreensão ampla de que o respeito é dever para com todos, não importando qualquer outro requisito.

Não quero que ele sofra nem que faça sofrer.

É isso que farei, é assim que irei educá-lo, mas sei que, lá fora, muitos, por pura ignorância e amoralidade, têm a violência e a discriminação como modo de pensar e agir. 

Convicto de que a educação é a única forma de emancipação da humanidade, durante todos os meus dias irei me esforçar para ser um exemplo, e, assim, ele também seja um exemplo e uma peça transformadora nesse mundo.