Os italianos classificam os vinhos produzidos em seu país em
vinhos de mangiare e vinho de pensieri. A explicar o óbvio, os primeiros
são os vinhos para comer e os segundo para pensar. Quem aprecia vinhos entende bem
a diferença. Eu estenderia a classificação para todas as bebidas, com a
ressalva que algumas não servem para acompanhar um prato.
Essas conversas sobre vinho trazem a imagem de algum sujeito
discorrendo longos tempos sobre os aromas, os taninos, a viscosidade, a safra e
as inúmeras variantes de harmonização. Não
entendo o repúdio. Se você for enólogo ou sommelier
isso se legitima. Mas se você for um enófilo e quer despejar seu
conhecimento vínico enquanto todos comentam sobre o concerto do Megadeth...
Vinho de mangiare e de pensieri, tal como tempo para pensar e
tempo para beber. Não há enochato, já disseram, há o chato e ponto.
Ladeio o enochato com o enoarrogante, com o enoinconveniente,
com o enopseudointelectual. Não se trata apenas de vinho, mas de qualquer coisa.
Afora esses e semelhantes, ponho a culpa no maior mal do Brasil no nosso tempo:
o excesso de opinião.
Diogo Mainardi escreveu uma crônica em que diz que o maior problema
do Brasil é o excesso de opinião, e devido a isso apenas emitia sua opinião se
o pagassem para tanto. Se sua esposa vestisse um vestido e pedisse uma sugestão,
ele logo estendia a mão à espera de uma uma moeda.
Certa vez na fila dos Correios ouvi uma conversa sobre o
Bóson de Higgs que, pela firmeza das assertivas, juraria que se tratava de vários
físicos-teóricos entediados na espera para enviar uma correspondência com AR. A
conclusão unânime da peleja foi: esses cientistas não têm o que fazer!
Transmite-se cinto minutos em uma matéria na televisão e
temos duzentos milhões de especialistas. Compartilha-se qualquer texto de quinhentos
caracteres nas redes sociais e forma-se uma elite intelectual.
O excesso de opinião é a culpa do atraso do Brasil. E isso
se dá pelo desprezo do brasileiro ao conhecimento edificado seriamente. Se
alguma lógica há no mundo é a de que quem estuda mais sobre algo tem mais
propriedade para falar sobre. Já disse Nietzsche: em um determinado ponto do
tempo e em um determinado lugar do universo, animais inteligentes inventaram o
conhecimento. Minha mãe que não leia esse texto, mas a prescrição de um médico é
muito mais confiável do que as que ela me dá quando adoeço.
Pobres coitados dos acadêmicos, dos estudiosos, dos
dedicados... E Fernando Pessoa ressoa: Estudar é uma coisa em que está
indistinta, A distinção entre nada e coisa nenhuma.
O brasileiro ignora a educação, converte em pedante qualquer
um que diga “eu sei”, mesmo (e principalmente) quando sabe. Todos instrumentalizam
sua educação, basta o que baste e na medida para se conseguir um emprego. Com isso as
ciências passam a se resumir à técnica, a produção científica se rarefaz, o que
vale é prática imediata sem respaldo e sem futuro, com Universidades sem
projetos e/ou sem recursos. Soma-se a isso a glamourização da ignorância que
acontece no nosso tempo e querer falar mais de um idioma está a beira de se tornar
uma conduta punível pelo Código Penal.
A exceção é tão pequena que não interfere na generalização.
Desprezar o mundo do conhecimento faz com que cada um se
ache o dono da verdade, na mesma medida em que constrange as críticas dos arrogantes
estudiosos. Com isso todo mundo emite opinião sem o mínimo de dedicação sério
sobre o assunto, fala-se qualquer coisa, escreve-se qualquer coisa...
Ivan Lessa disse que o mais difícil é não escrever,
porém, ao escrever deve-se tratar tudo às tapas e pontapés. Mas como quem
apanha nunca esquece, deve-se sempre tomar o cuidado de saber no que se bate, e,
principalmente, saber sobre o que se bate. Primeiro por razões óbvias de
sinceridade intelectual de não se utilizar da ignorância de muitos para
legitimar a sua (sempre haverá alguém que sabe), e, em segundo lugar, para sua própria
integridade intelectual, porque as vezes o conhecimento espancado volta contra
o torturador berrando: Não! Ditadura não é uma opção, você não sabe o que é
Bóson de Higgs, Augusto Cury não enriquece repertório intelectual algum!!