segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Patriotas: leiam!

Em um precário quarto improvisado nas trincheiras do teatro de guerra, o Coronal Dax, em uma discussão com seu superior, o General Mireau, vocifera a seguinte frase: "O patriotismo é o último refúgio de um canalha".
A frase é de autoria do poeta inglês Samuel Johnson. A cena acima descrita, do filme Paths of Glory, de Stanley Kubrick.
O aparente desacato à nação que tal frase pode aparentar aos desavisados ilustra bem a sintomática fragilidade dos alicerces políticos em que vivemos. No entanto, ao poeta inglês, serviu para denunciar os que, no século XVIII, buscavam justificar toda sorte de atrocidades sob o abstrato manto da nação acima de tudo. À personagem do filme (e também do livro homônimo), serviu como confronto ao comando de uma iníqua guerra, que posteriormente serviu para executar por fuzilamento soldados que se negaram cumprir a ordem de um ataque suicida.
Se antes as mais bárbaras atitudes tiveram no pálio da religiosidade sua proteção, a infalibilidade dos dogmas eclesiásticos passou a ter na signos pátrios sua irracionalidade instrumentalizada, seja por má fé ou por ingenuidade, numa schimittiana demonstração da confusão entre teologia e política.
Em que pese, no entanto, a relativização da Modernidade sob a perspectiva crítica, claro fica que menos o conteúdo que a forma de sua concretização incomoda seus adeptos, de modo que a abertura conceitual de termos como Democracia, Direitos Fundamentais, Autodeterminação dos povos, Liberdade, Igualdade, restam como projetos que contrapõem o voluntarismo déspota. Contraposição incompleta, dirão alguns.
O apego ao nacionalismo cumpre bem o papel de confluir a um projeto um grande número de pessoas. E ao personificar tal sentimento, o autoproclamado representante na terra da Mãe Pátria encarna a imperial prerrogativa da irresponsabilidade. Negar seu projeto é negar a nação; questionar seus métodos é questionar o futuro alvissareiro do país.
Mais ainda, para ser absoluto, o messias político esculpe um inimigo comum. Inimigo esse imaterial, onipresente e apocalíptico. Por não estar em lugar algum, o inimigo passa a estar em todos os lugares. Eis o cenário da irracionalidade que leva à estabilização de um antagonismo perverso que põe, de um lado, os que se acham salvadores de todos e, de outro lado, os que não merecem a qualificação política de cidadãos. É nesse sentido que termos como "cidadão de bem", "vagabundo" e seus congêneres se instalam em um imaginário comum, pré-rotulando os que, por motivos inclusive estéticos, se adaptam em um ou outro grupo.
O Brasil aprofundou na última década um antagonismo social irreconciliável em médio prazo. O silêncio servil dos que ostentam a bandeira nacional a discursos que apregoam violência, divisão, exclusão, torturas e morte saiu das alcovas. Aos demais, resta a solitária tarefa de se insurgir, tal como redigido por Ênio Silveira ao Marechal Castello Branco em carta aberta na Revista Civilização Brasileira, em 1965: "O chamado 'delito de opinião' sr. Marechal, é o crime que devemos todos praticar diariamente, sejam quais forem os riscos. Se deixarmos de ser 'criminosos', nesse campo, seremos inocentes... e carneiros".

Nenhum comentário:

Postar um comentário