quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Um relato

A cabeça pendia para trás, sem força. Apenas as pálpebras indicavam que ainda estava vivo, tremendo involuntariamente e mantendo-se forçosamente abertas, recobrindo uns olhos fixos em lugar algum. A boca se mantinha aberta, em parte para entrar mais ar nos pulmões, em parte por ter ficado muito tempo gritando frente à dor que por horas suportara. Quem visse o corpo nu ensaguentado no chão, notava que as canelas entreabertas pareciam ser a parte do corpo mais frágil do homem completamente anestesiado do sofrimento.
A uretra fora queimada por um ferro quente introduzido no seu pênis, vedando-a de forma irreversível. Do seu ânus escorria uma fina linha de sangue que, junto com fezes, criara uma pequena poça negra ao seu lado. O odor não incomodava nem a ele nem aos outros dois homens que, sentados, fumavam cada um um cigarro, exaustos, suados, depois de terem concluído um ritual que, de tantas vezes repetido, executavam de forma burocrática.
Em uma cadeira vazia estavam suas roupas e uma toca preta feita de um tecido grosso.
Sequer sentira a frieza do estetoscópio sendo pressionado em diferentes locais do seu peito. Também não resistiu quando seu braço fora levantado para auferir sua pressão. A sessão fora bem executada, não iria morrer naquele dia. O padre fora dispensado àquela noite. Desligaram o aparelho de som que tocava a ópera O Anel de Nibelungo.

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