terça-feira, 11 de outubro de 2016

Uma parada na saudade.


As obrigações laborais me levaram hoje a uma das cidades da Paraíba ainda para mim desconhecidas: Aroeiras, no Agreste do estado.
Mesmo nos aventurando em terras nunca dantes, por nós, navegadas, tivemos o que pareceu ser uma ótima ideia de cortar caminho por um atalho. Resultado: por mais que tenhamos economizado alguns bons quilômetros, as naturais condições de uma estrada de barro nos tomou um tempo para além das nossas expectativas. Porém, o que poderia ter sido motivo de arrependimento, acentuado ainda pelo sol inclemente e indiferente a qualquer ar-condicionado, foi, na verdade, um exercício de saudade, pois fez surgir aos meus olhos uma paisagem quase idêntica à qual, na não tão distante meninice, descortinava-me as entranhas telúricas de Barra de Santa Rosa, nas minhas andanças pelo Algodão de Jandaíra.
Tal qual as várias lavadeiras que planavam sob o céu, minhas lembranças voavam livres e festivas ante à aridez perenizada, em mim e na terra, cada um devido ao seu tempo. Se há algo que pouco se diferencia nos rincões nordestinos, é a disposição, arquitetônica e moral, do sertão, esse descampado da modernidade que pulsa vida em todas as suas veias.
Na terra, o mormaço convivia com os primeiros sinais de chão rachando há poucos metros de um açude, o oásis do sertanejo, supridor de tão primitiva necessidade, inevitavelmente trazendo à memória a imagem da sempre presente expressão de iminente sorriso, ou gargalhada, que leva à face da pele castigada pelo sol o relevo de tantas marcas de uma vida de luta. Água e sorriso, brisas inescapáveis desses tão humanos titãs, que não saberia ao certo dizer se eles suportam o sertão, ou o sertão é quem suporta suas imponências.
Ainda no chão, a rudeza das cactáceas pincelavam tão delicada composição. Levavam, essas plantas, o para nós inconcebível passar e suportar do tempo. Não poderia o reino vegetal ser mais perspicaz: tal qual o homem, com o qual coabita, também ignoram as intempéries, naturais ou humanas, que fustigam apenados inocentes, colossos que confrontam e perseveram frente a todas as dificuldades.
Nos alpendres, a comprovação de uma cronologia diferente: semblantes cansados repousam, crianças parecem flutuar sobre as ruas, despreocupadas com qualquer escândalo de crueldade, confiantes no elo que a todos une - a lealdade - e a que todos recebe - a caridade.
Deselegantemente, prestei atenção a uma conversa em andamento entre uns residentes, quando um disse: - Ele morreu porque depois que bateu a moto foram socorrer ele, todo mundo sabe que não pode mexer em quem sofre acidente, tem que esperar a ambulância, mas ninguém aguentou ver ele sofrendo, aí mexeram, e ele morreu.
Oh, infindo coração dos homens e mulheres do sol, que sofrem a dor mais exígua e distante dos seus como se sua fosse! Que se despojam de quaisquer vaidades ou empecilhos para ajudar conhecidos ou desconhecidos! Quiçá o mundo, um dia, deixe de ser esse deserto egocêntrico e vire sertão, esse oceano de humanidade!
Quando organizei no meu bolso inúteis indumentárias que nosso mundo nos obriga a carregar, celular, chaves, papéis, vi-me no Algodão do Jandaíra correndo descalço, sujo de barro, sorridente entre outras crianças, cachorros, galinhas, vacas, despojado de tudo que não de alegria. Vi-me feliz, por que não?
Apontando de volta ao litoral, escapou-me novamente minha saudade - criatura que não nos habita, antes nos parasita - e volta ela ao seu lugar de sempre, à poeira, ao sol e à companhia dos fortes que a tudo suportam.
Antes de partir novamente, materializa-se como que para se despedir, e em forma de preá atravessa nosso caminho, adentrando no habitat exclusivo dos que trazem em seu coração a chave para decifrar a simples complexidade do homem e da mulher da terra. Adeus, minha saudade, até a próxima volta.

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