quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Feijão verde

O primeiro som nítido que ouvi ao acordar foi um berro de um bode que vinha da rua. Em frente e bem acima da cama, uma janela enorme dividida por uma cruz ao meio em quatro vidros textura preenchia o pequeno quarto com a luz do sol azulada devido à cor dos vidros. O pijama que vesti para me proteger do frio já não fazia qualquer sentido, mesmo a espessura da janela parecendo ser a mesma das paredes, o calor era visível no suor que tomava conta do meu corpo.
Depois os sons que vinham da rua já eram mais perceptíveis. Não era apenas um bode que berrava, mas vários, somado aos bois, galinhas, cavalos, pássaros e aos carros e motos. Mais motos que carros. Quase não se ouvia pessoas, parecia que ali tinha mais animais que pessoas.
Ao me levantar, o frio do chão de cimento pisado contrastou com o calor do cômodo, o que me fez sentir como se desacelerasse a velocidade que o sol deixou o resto do mundo naquela manhã. Ao saí do quarto, ainda de pijama, percebo que porta principal da casa estava aberta. Da cozinha em direção à porta, passa por mim um menino de talvez uns doze anos. Camiseta estampada, um pouco grande para ele, talvez propositalmente para disfarçar sua barriga, talvez involuntariamente por ser a única peça de roupa disponível. Olha o menino primeiro para o meu pijama e depois para meu rosto com ar primeiro de surpresa e depois de reprovação. Estar acordando aquela hora fosse talvez um motivo de 'indignação'. Ao cruzar porta, suspende os apoios de uma carroça que não havia reparado na entrada da casa e sai correndo desengonçadamente em direção ao centro da cidade. Sem intimidar com a reprovações do garoto, fui à porta e então percebi o que se passava: era dia de feira.
Não mais tive olhares de reprovação, os transeuntes sequer repararam minha existência e continuavam andando de todos e para todos os lugares. Minha impressão é que havia mais de uma feira. Havia feira em todas as direções da rosa dos ventos. Sem mais querer resistir à luz do sol inclemente, voltei ao interior da casa, dessa vez em direção à cozinha, quando percebo alguns sacos deixados no porta que separa um cômodo destinado à televisão e ao sofá da cozinha. Não me atrevi a averiguar o que continha no interior das sacolas, mas as vagens de feijão verde que saltavam de uma saca me fizeram concluir que se tratava da feira da semana, e que o moleque que tinha acabado de passar por mim foi quem a trouxe.
Como que celebrando minha chegada, um multidão de moscas me rodeiam e me passam a me acompanhar aonde quer que eu vá, e eu fui à cadeira da mesa em busca do café da manhã. Ao preencher metade da xícara de café percebi que o mesmo não produzia a fumacinha branca que atesta sua temperatura, foi quando lembrei que o horário que havia acordado não tinha o café da manhã como refeição, mas estava mais para o almoço. Foi quando chegaram em casa os seus donos com um galeto embrulhado em um grosso papel pardo. Macarrão e arroz estavam repousando em tachos sobre o fogão.
Perguntaram como havia dormido, respondi que bem, também comentando que havia ficado surpreso de como o frio da noite passada havia se transmutado tão ilogicamente no calor daquela manhã. Depois do último prato depositado na grande pia de mármore, e depois de uma trégua por parte das moscas, de forma bem natural todos se dirigem aos seus quartos para dormir. E quando perguntado se também iria dormir, respondi que não, iria arranjar qualquer coisa para fazer, notei que recebi alguns olhares de surpresa parecidos com o que o garoto havia me lançado há pouco tempo,  mas dessa vez não por estar acordando, mas por não ir dormir.

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